SÃO JOSÉ E SUA RELAÇÃO COM DEUS-PAI (MT 1,16-24)

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SÃO JOSÉ E SUA RELAÇÃO COM DEUS-PAI (MT 1,16-24)

 

Frei Jacir de Freitas Faria, OFM[1]

Hoje, dia de São José, o padroeiro da Igreja, dos trabalhadores e da família. O texto sobre o qual vamos refletir é Mt 1,16-24. Ele fala de José, Maria e Jesus. Como entender a revelação de Deus nessa tríade familiar? Neste 19 de março, me vêm à mente as vozes eternas Elis Regina e Tom Jobim, quando cantam: “As chuvas/águas de março vão fechando o verão”. E que verão, esse de 2021! A peste do coronavírus assola o mundo. No Brasil, coitados dos brasileiros, morrem e padecem por causa do descaso de governantes que, preocupados com a economia, subestimaram o poder avassalador desse vírus mortal. Um ano se passou, desde a sua chegada ao nosso país, e a coisa vai de mal a pior. É triste constatar que a dor do outro não me incomoda. Valei-nos São José! Você que, na pandemia da peste bubônica de 1346 a1353, foi invocado e, por intercessão, muitos foram curados. Valei-nos, São José!

O texto que nos inspira, Mt 1,16-24, fala do nascimento de Jesus, mas o seu foco é a importância de seu pai terreno, José. O que não ocorre com o evangelho da infância de Lucas. Para Lucas, o importante no relato é Maria (Lc 1,26-38). É ela que tem medo, que dá nome ao recém-nascido, que recebe a visita do anjo etc. Para Mateus, José é o mais importante. Simples de entender. O público de Mateus era formado por judeus convertidos ao cristianismo. Para provar a messianidade de Jesus, ele tinha que ter um pai judeu descendente da casa de Davi. Por isso, de José é dito que ele é filho de Davi, que foi ele o responsável para dar o nome ao menino que nasceria de Maria, mas gerado pelo Espírito Santo. Dar o nome revela a paternidade. Com isso, Jesus estava definitivamente ligado à genealogia de Davi e, portanto, era o Messias, a quem os judeus deveriam aceitar.

Além disso, o menino seria filho de um pai justo (Mt 1,19). Isso quer dizer que ele aceitou a revelação divina e não iria expor Maria à pena de morte, como previa a lei judaica (Dt 22, 25-27). Outro detalhe da narrativa: Maria estava prometida em casamento a José. O que significa que eles eram noivos, ainda não tinham contraído matrimônio. Segundo a tradição judaica, o casamento acontecia em três etapas: namoro, noivado e núpcias.[2] Segundo os evangelhos apócrifos, José, já idoso, viúvo de um casamento que durou 49 anos, pai de quatro filhos e duas filhas, havia recebido Maria das mãos dos sacerdotes do templo de Jerusalém, onde ela estava vivendo como consagrada desde os três anos de idade. Portanto, aguardando, em Nazaré, o tempo das núpcias, Maria ficou grávida por ação do Espírito Santo. José quis deixá-la, pois temia o pior. Deus, na figura de um anjo, revelou-se a ele em sonho e lhe pediu que não fizesse isso. Desse fato, nasceu a devoção a São José Dormindo. O Papa Francisco disse, certa vez, quando estava nas Filipinas, que quando não consegue solução para uma questão, ele escreve no papel e põe debaixo de São José Dormindo, que é o santo de sua devoção. E vale ressaltar que este ano de 2021 foi estabelecido pelo Papa Francisco como o ano de São José, fazendo memória dos 150 anos de sua proclamação como padroeiro da Igreja.

Mt1,16-24 e outros poucos textos canônicos falam de José, tais como: Mt 2,13-15.19-23; 13,54-56; Lc1,26-27.34; 2,1-5.15.16. 22.27.33.39.41-51; Lc 3,23; 4,22; e Jo 1,45; 6,41-42. Nesses textos, ele aparece como: esposo de Maria; pai de Jesus; descendente da casa de Davi; noivo de Maria; responsável para dar o nome a Jesus; aquele que levou Maria para participar do recenseamento em Belém, por ocasião do nascimento de Jesus; por causa da perseguição de Herodes, fugiu para o Egito; na volta, viveu em Nazaré, onde exercia a profissão de carpinteiro e a ensinou a Jesus; apresentou o menino Jesus no templo, onde também presenciou a discussão dele com os doutores da Lei; teve quatro filhos e filhas. A tradição dos evangelhos apócrifos ampliou essas informações sobre José, as quais chegaram até nós.

Os poucos textos bíblicos sobre São José nos revelam a sua importância como a figura de Deus-Pai na vida de Jesus.[3] Ele não só teve contato com a presença do Deus-Espírito Santo que agiu em Maria, mas conviveu com o Deus-Filho, Jesus. Portanto, podemos afirmar que com José a Trindade se fez presente no meio de nós. Ele é a personificação do Pai.  São José é a expressão máxima da paternidade terrena de Jesus, inspirada na paternidade celeste, como um véu que protege o Filho de Deus, da gestação à vida adulta. Sem José, a encarnação de Deus não seria completa. Os textos jogam com os nomes de Belém e Nazaré para afirmar que Deus armou a sua tenda no meio de nós. José de Belém, Jesus de Belém; Maria de Nazaré, José de Nazaré, Jesus, o Nazareno. Nazaré, nome que significa “aquela que guarda a encarnação”, e que nos revelou a Trindade personificada em José (Deus-Pai), em Maria (Deus-Espírito Santo) e em Jesus (Deus-Filho). Deus está no meio de nós!

 


[1] Doutor em Teologia Bíblica pela FAJE-BH. Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de exegese bíblica. Membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de dez livros e coautor de quatorze. Últimos livros: O Medo do Inferno e a arte de bem morrer: da devoção apócrifa à Dormição de Maria às irmandades de Nossa Senhora da Boa Morte (Vozes, 2019). Coautor de: A releitura do Deuteronômio nos evangelhos. In: KONINGS, Johan; SILVANO, Zuleica Aparecida. (Org.). Deuteronômio: Escuta, Israel. 1ed.São Paulo: Paulinas, 2020, v. 1, p. 187-230. Inscreva-se no nosso canal: https://www.youtube.com/c/FreiJacirdeFreitasFariaB%C3%ADbliaAp%C3%B3crifos

[2] Para entender os detalhes de cada etapa preparatória ao matrimonio judaico no tempo dos rabinos, veja o nosso livro: História de Maria, mãe e apóstola do seu Filho, no Evangelhos Apócrifos. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2012, p.41-43.

[3] Para um estudo sobre a personificação de Deus-Pai em São José, veja: BOFF, Leonardo. São José: a personificação do Pai. Campinas: Verus Editora, 2005.