JESUS NÃO RESSUSCITA LÁZARO, MAS O AMOR QUE MORREU POR FALTA DE AMOR! (Jo 11, 1-54)


JESUS NÃO RESSUSCITA LÁZARO, MAS O AMOR QUE MORREU POR FALTA DE AMOR!

 (Jo 11, 1-54)

 

Frei Jacir de Freitas Faria [1]

O encontro de Jesus com Lázaro morto evoca em nós o nosso encontro com a morte. Quem já passou por isso sabe o quanto dói ver, pela última vez, a presença física de quem nos amou em vida. Lágrimas de sofrimento, de orfandade, lagrimejam numa dor sem fim. Com Jesus não foi diferente. Ele também chorou (Jo 11,35) pela morte do amigo. Choramos pela falta que o amor morto fará em nossas vidas. Quem perde pai e mãe fecha um ciclo de sua vida. Nunca mais poderá chamar pela mãe, pelo pai. O cordão umbilical se rompe definitivamente. No entanto, permanecem os sinais eternos da presença de quem partiu para o encontro com Deus. Duas coisas importantes: sinal e morte. Não morremos somente quando o coração deixar alimentar o nosso corpo com o sangue e o sopro de vida. Podemos morrer em vida para o outro. Quando o amor morre, a vida passa a ser um velório eterno.  

Que relação existe entre o sinal e o amor com a ressureição de Lázaro? Como identificar a morte do amor pelo símbolo, pelo mistério e pela transparência? Primeiro, entendamos o que é sinal no evangelho de João. São sete os sinais que João nos apresenta para falar da presença de Jesus como enviado de Deus. Tudo começou em Caná da Galileia (Jo 2,1-11). O fato de Jesus estar numa festa de casamento é sinal de que ele era o vinho novo da festa messiânica. Não se trata de milagre, mas de sinal. Milagre é um ato extraordinário. Sinal é algo que diz outra coisa. No trânsito, sinal vermelho significa pare. O encontro de Jesus com Lázaro é o sexto sinal no evangelho de João, o qual sinaliza a morte e ressurreição de Jesus. A questão é: Lázaro foi ressuscitado por Jesus? Sim e não! O que Jesus ressuscitou no encontro com Lázaro? Vejamos!

Quando Jesus diz a Marta: Eu sou a ressurreição (Jo 11,25), Ele não afirma “eu tenho a ressurreição”, mas eu sou. Esse “Eu sou” aparece também sete vezes no evangelho de João para falar da relação de Jesus com o Deus que libertou o seu povo (Ex 3,14). Marta, Maria e Lázaro estão na condição de humanos que morrem. Jesus é a ressurreição! Nele a vida não morre! Jesus não ressuscita Lázaro fisicamente. Lázaro continua na sua condição humana até o dia da ressurreição dos mortos. Por isso, a comunidade de João não se preocupou em dizer o que aconteceu com Lázaro depois do encontro com Jesus. A relação de Jesus com a família de Lázaro era de amor. Deus é amor! Quem morre no amor, como Lázaro, sabe que será eterno como Deus! Jesus ressuscitou o amor morto!

Jesus disse ainda a Marta: Quem crê em mim, ainda que morra, viverá (Jo 11,25). Jesus foi ao encontro de Lázaro com a intenção de fazer algo por causa do amor que ele tinha pelo amigo de infância. [2]

 Um pouco antes de encontrar-se com Lázaro morto, Jesus viu pelo caminho um cego de nascença, a quem fez enxergar (Jo 9). Nesses dois episódios, luz e vida se encontram. O cego volta a ver, e Lázaro, a viver, ainda que de forma simbólica. Um tem uma venda nos olhos e outro, uma mortalha no corpo. Todos os dois são libertos das amarras que impedem a vida e o amor acontecerem.

Nas relações humanas, é como afirmar que Jesus ressuscitou Lázaro por causa do amor que ele tinha por ele e pelas suas irmãs. Lázaro volta a viver por amor. Lázaro, o amor de Jesus, de Marta e de Maria havia morrido. Qual o significado disso a partir das nossas relações amorosas?

Lázaro estava doente. Jesus foi avisado: Aquele a quem tu amas está doente (Jo 11,3). É como se alguém dissesse ao esposo, à esposa, ao namorado ou à namorada, ao amigo: Aquele que tu amas está doente por falta de amor. Passados alguns dias, Lázaro morre. Jesus vai ao seu encontro. Maria lhe diz: Se tu tivesses estado aqui, ele não teria morrido (Jo 11, 21). Quem é esse tu, que se tivesse estado lá, não teria deixado morrer o amor? Claro que é Jesus. Nas nossas relações amorosas, permita-me falar de três coisas que sinalizam a morte do amor: o símbolo, o mistério e a transparência.

Símbolos são como sinais. Todos nós necessitamos de símbolos para viver. Na relação amorosa, a morte do símbolo é a primeira doença do amor. Por que o nosso amor precisa de símbolos? Porque o símbolo faz o nosso amor ser bonito. A flor, como símbolo de amor, dá sentido à vida, a torna leve. O símbolo é divino, é a ponte para a Transcendência. O símbolo quer nos lembrar que somos seres simbólicos, que temos relação com o Transcendente. Terminados os símbolos, nos tornamos animais! A vaca e o cachorro não têm símbolos. Precisamos de símbolos, porque quando morre o símbolo, morre o amor. Sem símbolos, somos como uma flor murcha na vida sem jardim.

Para além do símbolo, a vida é um mistério. Quando morre o mistério, aí morre tudo. Marta e Maria haviam mandado dizer a Jesus: Senhor, aquele que tu amas está enfermo (Jo 11, 3). Senhor, aquele que tinha amor, agora já não acha graça no amor, não acha nenhuma beleza em nada. Quando estamos doentes de sentido na vida, tudo perde o encanto. Não conseguimos ver a beleza das águas dos oceanos, a grandeza de uma montanha, o canto do pássaro. Quando o mistério acaba, acaba o amor. Se o mistério estivesse nas nossas relações, se o mistério permeasse os nossos olhares, se o mistério guardasse os nossos encontros, nossos amores não morreriam tão facilmente. Não nos separaríamos tão facilmente. Depois de um, dois anos de casados, um dos parceiros lamenta dizendo que no tempo do namoro, do noivado, era tão diferente. Acabou o mistério! Se acabou o mistério é porque não havia mistério. O mistério é eternidade. Não acaba. O mistério é aquela realidade que quanto mais conhecemos, mais queremos conhecer, porque nos seduz, nos atrai. Por isso queremos sempre conhecer mais. Quando alguém não quer mais conhecer outra pessoa, quando cansa daquela pessoa, é porque morreu o mistério do outro que nos encanta. Uma pessoa é sempre novidade para nós. Um filho pequeno é sempre surpresa para a mãe. Quando uma criancinha pequena é enjoada para a mãe, quando a mãe já não suporta o seu choro, a criança cessou de ser mistério para essa mãe. Morreu o amor! Também de mãe, também de pai, morre o amor. Todos os amores humanos morrem quando o mistério não os atravessa, não os perpassa, não os envolve, não os alimenta, não os fertiliza.

Morre o mistério, morre a transparência. Outra morte terrível! A transparência é a possibilidade de eu falar a verdade. Não ter que esconder nada. Quando dois se amam, eles não precisam medir as palavras. Se não podem dizer certas coisas, porque senão o amor morre, é porque o amor já morreu há muito tempo. Não precisam esperar, porque a morte já veio. Falta só aquilo que Marta disse: Já cheira mal (Jo 11,39). Só falta o fedor, porque a morte já aconteceu. Há muitos amores que ainda não cheiram mal, porque ainda não passaram os quatro dias da decomposição. Quando passarem, sentirão o cheiro desse amor morto. Por isso as pessoas se separam, passam do amor ao ódio. Quantos casais, depois de poucos anos, não podem nem se ver? Amaram-se, geraram vidas e, de repente, não se olham mais. É exatamente isso: ninguém quer ficar com um cadáver em casa, porque cheira mal. Como Marta é inteligente! Ela percebeu que o amor morto cheirava mal.

Mas Jesus vai mais longe. Ele sabe que o amor, o mistério, a transparência e a transcendência podem ser ressuscitados. Se creres, Marta, teu irmão viverá! (Jo 11,26), disse Jesus.  O que é crer? Na etimologia, crer é dar o coração – cor-dare – entregar o coração. O amor só ressuscita quando os dois, de novo, se amam de forma transparente, se olham nos olhos e aí se entregam de novo. Renasce o amor! Soa a voz de Jesus: Lázaro, vem para fora! (Jo 11,43). Saia, amor morto! Saia pelo olhar, pelo gesto, pelo toque, pela palavra, pelo carinho, pelo abraço. Saia, volte, reapareça! Essa voz de Jesus é capaz de arrancar o morto do túmulo. As irmãs encontram Jesus para trazer de volta o amor morto. Que também possamos encontrar o Senhor, quando a amor morrer em nossas vidas, de modo que possamos ressuscitar como Lázaro. Ressuscitemos o amor que já morreu em nossas vidas!


[1]Doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH). Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Exegese Bíblica. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de dez livros e coautor de quinze. Youtube: Frei Jacir Bíblia e Apocrifos. https://www.youtube.com/channel/UCwbSE97jnR6jQwHRigX1KlQ

[2]FARIA, Jacir de Freitas. Infância apócrifa do Menino Jesus: histórias de ternura e de travessuras. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 64.