Oração, esmola e jejum no Judaísmo

Frei Jacir de Freitas Faria

 

Escuta, ó Israel de Dt 6,4-9, no qual é pedido ao israelita que ame a Deus com todo o seu coração, a sua alma e as sua posses. Entendendo a fala de Jesus na perspectiva da releitura do Primeiro Testamento (Antigo Testamento), vejamos a ligação entre a pregação de Jesus e o pensamento judaico. A oração corresponde ao coração.

 No judaísmo, liturgia é o serviço do coração. Cada judeu é chamado a amar a Deus com todo o seu coração. A liturgia é o lugar de fazer memória da presença de Deus entre o seu povo de ontem e de hoje. A oração nos coloca no caminho da santificação. E não basta santificar os outros, é preciso também que eu me santifique através do encontro com Deus.

 O jejum corresponde à alma. Ele é a aflição da alma, que sacrifica si mesma a Deus e ao próximo, na simplicidade e no silêncio. Os judeus têm a tradição de fazer jejuns públicos de caráter penitencial e de memória dos eventos tristes ocorridos na história de Israel.

 O jejum devolve a dignidade a quem o pratica, e a quem ele é oferecido: Deus ou o pobre. A esmola corresponde às posses: aquilo que é oferecido como esmola faz parte das posses de quem coloca os seus bens a serviço do empobrecido.

 Em hebraico, esmola se diz Tzedakah e justiça Tzedek. Esmola deriva de Justiça. Dar esmola significa cumprir a Torá, isto é, fazer justiça. Quando um judeu pobre gritava pelas ruas Tsedakah, todos entendiam: “Faça justiça! Cumpra a Torá!” E esse grito incomodava qualquer judeu piedoso. A Torá, a Lei de Deus, não estava sendo cumprida, o que implicava estar fora do caminho de Deus.

 O judaísmo conclama os seus adeptos a fazer esmola. E fazer esmola (Tzedakah) é agir com justiça no que diz respeito a como cada judeu ganha, gasta e compartilha suas riquezas. No pensamento judaico, esmola não tem um sentido religioso moral ligado ao fazer caridade. Esmola é um modo de ser, mais que oferecer ou dar.

 Tzedakah é mais que caridade, expressão de fé piedosa diante do sofrimento do outro. Viver de modo justo na relação com as pessoas é fazer Tzedakah. A esmola não pode ser em função da vanglória daquele dá esmola, mas deve um gesto de solidariedade e justiça. Fazer esmola, fazer justiça é melhor que dar esmola.

 A comunidade de Mateus, ao relatar esses três modos de viver a justiça, conseguiu colocar Jesus em sintonia com o povo judeu. Ademais, testemunhou para nós os valores judaicos e cristãos da fé em Deus.Tempo de quaresma é um momento oportuno para rever a nossa caminhada de povo de Deus, judeu e cristão, que ora, jejua e faz esmola.

 

Publicado no jornal Estado de Minas, Belo Horizonte, 13 de fev. 2002