15º DOMINGO DO TEMPO COMUM

15º DOMINGO DO TEMPO COMUM

O semeador semeia a semente. A palavra do cristão espalha a boa-nova: tem terra boa para plantar!

 

Frei Jacir de Freitas Faria, OFM

 

I. INTRODUÇÃO GERAL

A Palavra de Deus e a semente que o semeador lança se unem na mesma esperança, o bom e profícuo cultivo. Palavra que cai em vários tipos de terra. Terra-comunidade, terra-conflito, terra-coração. Semente-palavra, semente-denúncia, semente-conforto. Palavra de Deus, palavra de fé, palavra de esperança. As leituras de hoje nos colocam no caminho da fé e da esperança, protagonizadas pela semente, a terra e o semeador.     

 

II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS

 

  1. l.        I leitura (Is 55,10-11): Fé e esperança na palavra dada por Deus 

A primeira leitura de hoje faz parte do segundo livro atribuído ao profeta Isaías (Is 40-55). Situado no final do exílio do povo de Deus na Babilônia (587-539), Is 55,10-11 fecha a sua temática, a da consolação, direcionada a um povo sem esperança. O segundo Isaías lança uma luz no final do túnel: a palavra de Javé cumpre sua missão, assim como a chuva e a neve que fecundam a terra, fazendo-a germinar e produzindo sementes para o semeador. A imagem é estupenda. Imagine o povo sofrendo no exílio e lembrando-se de sua terra, em Canaã, onde, de fato, no verão, tudo é árido, mas que no período das chuvas, tudo renasce com vigor. Para eles, terra é sinônimo de vida. Não por menos o ser humano, Adão (Adam) é aquele que foi tirado da terra (Adamáh). A terra torna-se mãe por causa da água que a engravida (v.10). A nossa reflexão de hoje tem o seu ponto de partida nessa rica imagem da palavra de Deus que germina a terra, a vida dos exilados sem esperança. É como se o profeta estivesse dizendo: Coragem! Tudo está chegando ao fim. A libertação já não tarda mais. Tenham fé na palavra dada por Deus!

             

  1. 2.      Evangelho (Mt 13,1-23): Fé nas palavras de esperança, resistência e fé proferidas por Jesus

A palavra de Deus, no evangelho desse domingo, chama-se palavra de Jesus, também apresentada na imagem da semente e da terra, no conhecido ensinamento de Jesus: a Parábola do Semeador. Quem já não ouviu, na catequese ou nas homílias, a história de um semeador que saiu a semear? Sementes caíram em quatro lugares diferentes: à beira do caminho, em solo pedregoso, entre espinhos e, por fim, em terra boa, a qual contrasta com os demais. O recurso literário 3 elementos + 1 é usado na poesia hebraica para ressaltar o último, no caso, a terra boa. O que isso significa?

A comunidade de Mt 13,1-23 usa também os recursos narrativos parábola e alegoria. Parábola é a tradução do substantivo hebraico maxal, e significa provérbio, comparação, zombaria, escárnio. O grego traduziu maxal por parabolé. A parábola tem a força moral de ensinamento. Jesus, ao falar em parábola, coloca-se na mais pura tradição judaica. A parábola fala do cotidiano das pessoas, transformando-o e chamando a atenção para uma problemática, deixando o ouvinte pensativo. Não por menos, os discípulos questionam Jesus pelo fato de ele falar-lhes em parábolas (v.10-16).

A alegoria é o fruto da reflexão que a comunidade produz, tendo em vista o objetivo de encontrar uma solução para os seus problemas, normalmente, apresentados em uma parábola. O sentido original de um texto pode ser transformado totalmente na alegoria, o que não constitui um problema para a comunidade. O evangelho de hoje nos apresenta uma parábola e uma alegoria. As alegorias foram usadas em grande escala pelas primeiras comunidades e, na sequência, pelos pais e mães da Igreja. Santo Agostinho alegorizou a parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 29-37) na perspectiva da história da Igreja do seguinte modo: homem caído: Adão; Jerusalém: céu; Jericó: terra; Samaritano: sacerdotes da Igreja Católica; Hotel: Igreja Católica; Hospedeiro: papa; Duas moedas: sacramentos do Batismo e da Confirmação. Vejamos, agora, três modos possíveis de compreender a Parábola do Semeador 

a)    Parábola do Semeador e sua explicação alegórica segundo o evangelho da comunidade de Mateus. Havia certo desânimo entre os cristãos. Se a promessa do Reino feita por Jesus era iminente, como explicar os fracassos e conflitos que os assolavam? Era em torno aos anos 70 da Era Comum. Décadas já haviam passado após a morte de Jesus. Roma havia invadido Jerusalém e destruído o templo. Os judeus estavam sem referência política e religiosa. A comunidade que escreveu o evangelho de hoje era formada pelos judeus que haviam se convertido ao judaísmo. A resposta, atualizada de forma alegórica aos problemas e colocada na boca de Jesus, parece lógica: os cristãos deviam voltar a sua atenção para o interno da comunidade, o terreno, não da semente, mas de seus corações, e se perguntarem pelo modo como eles estavam sendo coerentes com a proposta do Reino. A parábola ressalta, assim, as dificuldades já previstas por Jesus: superficialidade, simbolizada na semente que é lançada à beira do caminho; perseguições políticas, representadas na terra pedregosa; deixar-se seduzir pela riqueza e estruturas políticas e econômicas, semente que é lançada entre espinhos. Na outra ponta da linha está o exemplo de cristão-terra boa, aquele que compreende a proposta da palavra do reino pregada por Jesus, produz frutos e não desanima nunca.  

b)   Parábola do Semeador sem a explicação alegórica da comunidade de Tomé. No evangelho apócrifo de Tomé, dito 9, encontramos a Parábola do Semeador sem a sua alegoria, como no caso de Mateus e Marcos. Esse fato é importante, pois, provavelmente Jesus estaria se colocando contrário ao império romano. A comunidade de Mateus é que, lembrando das palavras de Jesus, busca um conforto espiritual. A parábola do Semeador em Tomé pode ser datada antes dos evangelhos, no ano 50 E.C. Muitos camponeses estavam perdendo suas terras férteis, no norte do país – Galileia -, para os apadrinhados políticos do império romano. A comunidade estava preocupada com a expropriação da terra. Muitos se tornavam sem terra e foram obrigados a sair de suas terras e peregrinar em direção às cidades, mais especificamente para Jerusalém, a capital. A comunidade de Tomé procurou, com a Parábola do Semeador, recordar as palavras fortes de Jesus contra essa situação social inaceitável. Sem querer alegorizar alegorizando, podemos interpretar, que, nesse caso, o semeador é o sem terra à beira do caminho, caminhando em direção a Jerusalém; os passarinhos são os romanos oportunistas que comem sem plantar, isto é, recebem de graça a terra fértil da Galileia; os espinhos simbolizam a luta do camponês para sobreviver; semear é o protesto do camponês por não haver terra disponível para plantar; a terra pedregosa é Jerusalém, cidade onde vivem os opressores; a terra boa é o sinal evidente de que “temos terra para plantar”, mas elas nos foram roubadas. A terra é um dom de Deus e não pode ser tirada do povo eleito. O Jesus histórico de Tomé ensina o camponês a resistir contra os falsos donos da terra e denuncia: “Mesmo que estejamos em tempos difíceis, tem semente que brota e produz cem por um! Resistir deve ser a nossa bandeira de luta” (Cf. FARIA, Jacir de Freitas, As origens apócrifas do cristianismo. Comentário aos evangelhos de Maria Madalena e Tomé. 2 ed. São Paulo: Paulinas, 2004,p. 108).

c)    A Parábola do Semeador na perspectiva judaica do Shemá Israel. Em Dt 6,4-9 encontramos a clássica profissão de fé do povo judeu: “Escuta,ó Israel: O Senhor é  nosso Deus, o Senhor é um. Portanto, amarás o senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com todo a tua alma e com toda a tua força”...    Escutar é compreender. Um é o Deus de Israel. Amar é colocar-se no serviço e na missão de santificação, é a tarefa diária de todo judeu. Coração é a razão e sentimentos integrados, é o pensar e sentir. Alma é o ser de cada judeu, sua dignidade e a de seu irmão. Força, em hebraico, me’od, tem a conotação de posses, dinheiro, poder aquisitivo e não vigor. Vários textos dos evangelhos releem a ação e pregação de Jesus a partir do Shemá Israel. Observe como o três aparece em vários momentos. Pedro nega Jesus três vezes. Judas Iscariotes aparece três vezes nos evangelhos, etc.  Na parábola do Semeador, o simples fato de enumerar três coisas já nos remete ao Shemá. O ouvinte, certamente, terá compreendido que Jesus pedia o cumprimento da Torá expresso pelo Shemá. As dimensões do Shemá aparecem no texto do seguinte modo: Coração: aqueles que estão à beira do caminho. Quem é superficial não coloca paixão naquilo que faz. A semente semeada será comida pelos pássaros. Que está à beira do caminho ouve a Palavra e não a entende, vem o Maligno e arrebata o que foi semeado no seu coração (v. 19). Alma: aqueles semeiam entre pedregulhos. O amor à Palavra pode exigir até o martírio. Quem tem medo da perseguição não está preparado. Morrer por causa do Reino é conferir dignidade à Palavra semeada. Quem não tem profundidade no seu modo de ser ouve a Palavra, mas, diante da perseguição, logo sucumbe (v. 21). Força (Posses): aqueles que semeiam entre espinhos. Semear entre espinhos significar ter apego aos bens materiais. Quem assim age é sufocado pelo dinheiro. E a Palavra ouvida deixa de dar frutos de vida e esperança. A sedução da riqueza sufoca a Palavra e ela se torna infrutífera (v.22). Todos ouvem a Palavra, mas nem todos dão fruto em plenitude. Quem produz cem por um ama a Deus de coração, alma e força. Quem produz sessenta por um ama a Deus com o coração e com todas as forças, mas não é capaz sacrificar a sua alma pelo reino. Quem produz trinta por um ama a Deus somente com o coração. Por outro lado, amar a Deus é amá-lo com minha limitação, naquilo que me é possível. Nisso também está o desafio (Cf. FARIA, Jacir de Freitas. A releitura do Shemá Israel nos Evangelhos e Atos dos Apóstolos. RIBLA, 40. Petrópolis: Vozes, 20001, p.52-65).

 

  1. 1.    II leitura (Rm 8,18-23): Palavra ratificada pelo Espírito

“Os sofrimentos do tempo presente não têm proporção com a glória que deverá revelar-se em nós” (v.18). Essas são as palavras iniciais da reflexão paulina que hoje celebramos. Voltando aos temas da perseguição, do sofrimento, do desânimo de que falam a primeira leitura e o evangelho de hoje, podemos compreender a ressonância dessa palavra na comunidade de fé. Muitos pregadores, equivocadamente, fizeram uso dessas palavras para justificar moralmente o sofrimento advindo da condição humana e das injustiças sociais, afirmando que no céu tudo será diferente e que, passivamente, devemos suportar o sofrimento, sem, ao menos, lutar por um ser humano e mundo novos.

A imagem do sofrimento do parto, associado ao Espírito que intercede por nós, retoma a mesma mensagem da esperança da primeira leitura e do evangelho. A mulher sofre para dar à luz uma nova vida. A mulher é terra, é mãe! A nova comunidade de fé foi gerada pela força da palavra e será perpetuada pela presença do Espírito. Mas, para que tudo isso aconteça, é preciso que o cristão aja em favor da vida, gerando um novo tempo, sabendo que o tempo futuro, em Deus, será a consequência de sua ação realizada no presente.     

 

III.  PISTAS PARA REFLEXÃO

  1. Fazer a comunidade perceber que semear a semente em terra boa é ser um cristão em movimento, no caminho certo. É acreditar na palavra transformadora de Deus e de seu filho Jesus. Não se deixar seduzir pelas riquezas, tampouco pelo poder. Os romanos impérios e suas forças opressoras continuam vivos no meio de nós.
  2. Perguntar pela eficácia da palavra em nossas vidas. Como compreender a revelação da palavra de Deus em nossos dias? Ele ainda fala? Como? O mundo deixou de ser rural. As imagens das leituras podem nos parecer distantes e incompreensíveis. Talvez tenhamos que criar outras alegorias para atualizar a palavra.
    1. Demonstrar que os frutos da Palavra são a própria Palavra de Jesus que ajuda a todos permanecerem firmes. Jesus, a Palavra viva da comunidade de Mateus, é a força contra o império perseguidor e as ambições do mundo de ontem e de hoje. Coragem e esperança para todos nós. Sejamos eternos semeadores do reino, na escuta de Deus, interpretando seus desígnios (Shemáh), na intensidade do amar  com fé e com um coração que integra razão e sentimento, na doação de nosso ser e com as nossas posses.