18º DOMINGO DO TEMPO COMUM

18º DOMINGO DO TEMPO COMUM (31 de julho)

O milagre da partilha dos bens e do amor de Deus: comer sem pagar e dividir os bens! Isso é felicidade!

Frei Jacir de Freitas Faria, OFM

 

I. INTRODUÇÃO GERAL

As leituras de hoje testemunham o amor de Deus e a esperança de um mundo novo. O profeta Isaías, de um lado, e Paulo, do outro, são unânimes em testemunhar o amor de Deus. Quem tem fome irá comer sem pagar. Em Cristo Jesus nada nos separará do amor de Deus. Jesus Cristo, o Filho de Deus, passa pelo mundo curando os abatidos pelo desânimo e sofrimento, ensinando a partilha, a divisão dos bens. Multiplicar cinco pães e dois peixes, mais do que um ato mágico, é sinal evidente de que onde há partilha ninguém passa necessidade. 

 

II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS

  1. 1.      I leitura (Is 55,1-3): vinde comer sem pagar!

A primeira leitura de hoje faz parte dos capítulos 40 a 45 do livro de Isaías, que também é chamado de Segundo Isaías, por se tratar de um profeta diferente daquele dos capítulos 1 a 39. Sendo um grande teólogo e poeta, Segundo Isaías atuou, aproximadamente, entre 553 a 539 a.E.C, época do declínio do império neobabilônico e o surgimento da Pérsia como nova potência (Cf. FARIA, Jacir de Freitas, Profetas e profetisas na Bíblia. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 68-69). As lideranças do povo de Deus viviam exiladas na Babilônia, atual Iraque. Sabedor das dificuldades, Segundo Isaías alimentava no povo a esperança de um novo tempo. A sua solução, profetizava, está em Ciro, rei da Pérsia, que seria o instrumento de Deus para libertar o seu povo (45,1-8; 48,12-15) da dominação babilônica. Babilônia cairia (46). Os pagãos iriam se converter ao Senhor (42,1-4.6; 45,1-16.20-25; 49,6; 55, 3-5). Jerusalém seria libertada (52,1-12).

Em meio a uma forte onda de pessimismo, crise de fé e de esperança entre os exilados (40,27; 49,14), Segundo Isaías torna-se o “cantor do retorno do exílio”, do “novo êxodo”. Ele fundamentou sua esperança no retorno à terra da promessa. O seu projeto era real. Ciro seria a salvação do povo. Sonhar com um “novo tempo” era preciso (55). Essa era a promessa de Deus (43,13; 41,10; 44,6; 48,12). E foi nesse contexto que ele sonhou alto: “Todos que tendes sede, vinde à água. Vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; comprai, sem dinheiro e sem pagar, vinho e leite” (v.1). Imagine gente faminta, sofrendo de exílio, e alguém gritando essas palavras na rua. Parece irreal, mas foram essas palavras que alimentaram a esperança no povo exilado. Não tardou muito e a libertação chegou. O povo voltou para a sua pátria, Israel, e recomeçou a vida com novos projetos. O sonho alimentou a esperança que os manteve no caminho, na aliança, outrora feita com a casa de Davi.  

 

  1. 2.      Evangelho (Mt 14,13-21): comei partilhando o que tendes e encontrareis a felicidade!  

O nexo da primeira leitura com o evangelho é evidente. Jesus, tendo sido informado da morte de João Batista, seu primo e precursor, vai rezar num lugar deserto. As multidões o seguem. Movido de compaixão por elas, ele cura os doentes. O povo não quer ir embora. Os discípulos demonstram preocupação com a fome do povo. Jesus ordena dar-lhes de comer. Mas como, se eles tinham somente cinco pães e dois peixes?  Jesus, então, fez a multidão se assentar na grama, e abençoou os pães e peixes, os quais se transformaram em tantos outros e alimentaram cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças. E ainda sobraram doze cestos de pedaços.

Como na primeira leitura, o povo está desanimado e sem rumo. Jesus torna-se a luz que aponta o caminho. Como Ciro, da Pérsia, ele não é rei, mas é o salvador dos pobres e famintos.

Caso tomemos as palavras do evangelho e as leiamos de modo simplista, haveremos de entender que se trata de uma multiplicação fabulosa de Jesus. Não é bem assim. O profeta Eliseu também havia feito o mesmo (Rs 4,42-44). A narrativa tem dois sentidos.

a. Sentido simbólico. O texto fala de cinco pães, dois peixes, doze cestos e cinco mil homens. O número cinco lembra a Torá, os cinco primeiros livros da Bíblia, que devem ser seguidos por todo judeu. Por analogia se fala em cinco mil homens, os reais seguidores da Lei. Mulheres e crianças não eram consideradas. O número dois representa testemunho, tendo a sua origem nos testículos do homem, quem somente poderia testemunhar. A presença de dois peixes acentua a veracidade do fato. O peixe lembra a presença salvadora de Jesus. Mais tarde, ele tornar-se-ia o símbolo dos cristãos diante da perseguição romana. Por onde passavam, eles desenhavam um peixe, que nos caracteres gregos IXTUS, em forma de acróstico, formam as iniciais de: Iesùs Christòs Theòu Uiòs Soteèr, que significa “Jesus Cristo Filho de Deus Salvador”. O número 12 adquiriu destaque entre os judeus, em virtude da divisão do ano em 12 meses, e simboliza a totalidade ou plenitude, assim como as doze tribos do povo eleito, Israel-Palestina, bem como o povo dos cristãos, os 12 apóstolos (Cf. FARIA, Jacir de Freitas, Israel e Palestina em três dimensões, Belo Horizonte: Província Santa Cruz, 2010, p. 56-57). Jesus vai para o deserto, lugar da passagem e da organização do povo que vinha do Egito, depois de mais de 400 anos de opressão. No evangelho, o povo sofrido vem das cidades, lugar da exploração social e dos banquetes dos grandes, como o de Herodes, ocasião em que a cabeça de João Batista foi pedida. O povo senta-se na grama. Sentar na visão bíblica é sinal de soberania e poder. Daí o substantivo cátedra, catedrático e catedral. O pão distribuído recorda o maná que alimentou o povo no deserto e, mais tarde, a eucaristia como corpo real de Cristo (Mt 14,19; 26,26; 1Cor 11,23).

b. Sentido real: a multiplicação dos pães quer nos ensinar que se partilhamos ninguém mais vai ter necessidade. Nisso reside o milagre, e não no fato extraordinário da narrativa. A comunidade é chamada a não ficar parada, mas ir além. Deus não quer a pobreza, mas a igualdade social. Um dos grandes males que assola o ser humano é o desejo incontrolável de ter para guardar e ostentar o poder da posse. A felicidade não está no ter, mas no ser e nas relações. O livro do Eclesiates nos ensina que felicidade é comer e beber, desfrutando do produto de todo o seu trabalho (3,13).

     

  1. 3.      II leitura (Rm 8, 35.37-39): quem nos separará do amor de Deus

Se nas duas leituras anteriores foram ressaltadas situações de dificuldades enfrentadas por uma comunidade exilada e outra, oprimida em sua própria terra pelos romanos, ambas sofrendo de fome e dificuldades econômicas, essa terceira leitura parte de uma experiência pessoal de Paulo, que, após tudo sofrer para testemunhar a sua fé em Jesus ressuscitado, pergunta retoricamente: “Quem nos separará do amor de Cristo” (v. 35). E é ele mesmo quem responde: nada. Nem a fome, morte, perseguição, espada, principados, etc. Nada nos separará do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor (v.39). A salvação é um dom gratuito de Deus para a humanidade. Ademais, Paulo acrescenta o substantivo espada aos muitos outros fatores elencados por ele em outros escritos (1Ts 3,7ç 1Cor 12,7-10; Fl 1,12-14.19-25; 2,17; Col 1,24) para demonstrar a adesão a Cristo. A espada romana é a mesma que, mais tarde, decepará a sua cabeça, fazendo-o mártir em Roma pelo testemunho da fé em Cristo. Por ironia, trata-se de uma carta dirigida aos romanos. Outro detalhe importante nos fatores elencados por Paulo é a crença de que muitos creem em entidades do além, em poderes que podem influenciar nossas vidas. Muitos seguiam esse caminho. Paulo se diz convencido de que nada disso nos pode afastar do amor salvador e misericordioso de Deus.           

 

III.  PISTAS PARA REFLEXÃO

  1. Demonstrar para a comunidade os sentidos simbólico e real da multiplicação dos pães. Não se trata de um simples milagre ou uma mágica realizada por Jesus. Tampouco  um milagre econômico realizado por um governo bonzinho. E nem mesmo um milagre religioso que muitas igrejas saem pregando, iludindo o povo com a multiplicação de seu dinheiro. Não se trata de uma teologia da prosperidade econômica em nome de Deus. Muito pelo contrário, trata-se do milagre da distribuição e da partilha dos bens da criação, redistribuição de renda, etc.
  2. Chamar a atenção da comunidade para o fato de a eucaristia ser o sinal dessa presença real de partilha do pão e da vida do ressuscitado, Jesus de Nazaré. No entanto, a comunidade, assim como a multidão do evangelho e o povo do deserto, não pode ficar parada após o comer, nem esperar que outros manás caiam do céu. É preciso caminhar sempre.