31º DOMINGO DO TEMPO COMUM

ROTEIROS HOMILÉTICOS

Frei Jacir de Freitas Faria, OFM[1]

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31º DOMINGO DO TEMPO COMUM (31 de outubro)

Zaqueu: hoje a salvação entrou nesta casa

 

I. INTRODUÇÃO GERAL

No domingo anterior, dia mundial das missões, refletíamos sobre a importância de se levar a salvação a todos, por ser essa a missão do cristão. Retomando esse princípio, a comunidade lucana guardou na memória um dos mais belos episódios na vida do missionário Jesus de Nazaré, a história de Zaqueu, um chefe dos publicanos, aqueles que cobravam impostos.

Dando continuidade à missão evangelizadora, veremos hoje a importância da fé e da conversão, elementos essenciais para o viver o chamado de Deus, seja como judeu, seja como cristão. Deus e Jesus agem com misericórdia diante de todos aqueles que se arrependem. Eles tudo podem, por isso podem mudar o mundo e até mesmo chamar um pecador que não era digno de salvação. A salvação é universal e entra na casa de cada um, rico ou pobre, judeu ou grego. “Hoje a salvação entrou nesta casa,” veremos no evangelho. A casa é a grande economia do mundo. Economia que deve estar a serviço da vida.     

    

II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS

      1. I leitura (Sb 11,22-12,2): Deus tudo pode e tudo perdoa

A primeira leitura de hoje é uma reflexão sapiencial sobre Deus e sua misericórdia infinita. Deus tudo pode e, por isso, tem compaixão de justos e injustos. Ele tem o poder de perdoar. Amor e perdão caminham juntos na visão sapiencial israelita.

Por amor, Deus criou tudo. É como um casal que gera seus filhos por amor e, por amor, os educa e os perdoa sempre. Deus a todos perdoa, porque eles são seus. Deus é o Senhor amigo da vida! (v.26). Deus os corrige, lembrando-os das faltas, de modo que se afastem do mal e creiam nele. A fé é condição essencial para encontrar a salvação, por meio de uma mudança de vida. Essas duas atitudes nos colocam no caminho que leva a Deus.

Essa visão de Deus, que tudo conhece e tudo conhece da primeira leitura de hoje, era conhecida também os gregos. Outros textos bíblicos iluminam esse modo de entender Deus: “Eles confiam em armas e em seus atos de audácia, enquanto nós depositamos nossa confiança no Deus Todo-poderoso, que bem pode, com um único aceno, abater os que marcham contra nós, e mesmo o mundo inteiro!” (2Mac 8,18). Uma das diferenças da sabedoria bíblica, que javeizou a dos povos vizinhos, consiste no fato do Deus de Israel ser único, misericordioso e possuir uma proposta de salvação universal. É o que veremos na evangelho de hoje, na história de Zaqueu.

 

       2. Evangelho (Lc 19,1-10): Zaqueu, o rico que ficou pobre por praticar a justiça e professar a fé em Jesus

A grande viagem lucana do missionário Jesus já se aproximava para o fim. Jesus se encontrava na cidade de Jericó, a 30 km de Jerusalém, seu objetivo final.

Jericó existe ainda hoje e pertence ao território palestino. A sua população é muito pobre. Apesar de situar-se em uma região de clima árido, Jericó possui abundantes mananciais, como um oásis, e plantações. Localizada a sudeste do vale do Jordão, no cruzamento das estradas de Jerusalém a Beitt Shean – a zona leste do Jordão –, Jericó é a cidade mais velha do mundo, com mais de oito mil anos de história, sendo povoada desde a idade de Pedra. Ainda se podem ver restos arqueológicos de uma de suas portas. Josué a conquistou, destruindo seus muros. No período romano, Herodes, o Grande, fez construir nela palácios, piscinas e aquedutos para distribuir a água, vinda de Jerusalém, para casas e palácios. Herodes viveu os seus últimos dias de vida em Jericó, quando pediu para matar muitas pessoas no dia de sua morte, de modo que houvesse, naquele dia, um luto generalizado.

Em Jericó, havia um homem de pequena estatura, chamado Zaqueu. Por causa da multidão que acorria para ver Jesus, ele saiu correndo à frente e subiu numa árvore, um sicômoro, por onde, certamente, Jesus iria passar. Ao entrar em Jericó, Jesus viu Zaqueu, que estava sobre a árvore e lhe disse para descer porque iria hospedar-se em sua casa. Naquele momento, o cobrador de impostos foi chamado a ser seu discípulo. Zsqueu queria ver Jesus, mas é Jesus quem o vê. Para o judeu, o crer consistia no ouvir, interpretar, para o cristão, o ver. Por isso, os milagres de Jesus compravam a eficácia de sua ação.

  Zaqueu, nome que significa Deus se recorda ou também aquele que é puro, dependo da etimologia, era um rico e odiado chefe dos cobradores de impostos. Um parceiro dos romanos na exploração do povo. Os judeus não gostavam dos compatriotas que assumiam tal função. Eles os viam como infieis à Lei e, por isso, os consideravam pagãos e impuros.   

Jesus diz a Zaqueu que iria se hospedar, entrar na sua casa. O substantivo casa vem do grego, oikos, e significa a casa do mundo e de cada ser humano no seu próprio corpo e no lugar onde ele habita. Oikos é a casa natal. Casa é invólucro de cada um de nós, a construção material onde ocorrem relações sociais e econômicas em função de uma família. Quanto melhor estiverem organizadas essas relações, melhor será a vida familiar. Os gregos, ao mencionar a casa, falam das relações econômicas domésticas, caseiras, que gerenciam a casa. E é daí que vem um outro termo grego, oikonomia, que significa a lei (nomos) que rege a casa (oikos), isto é, economia.[2]

A função primeira de Zaqueu era cuidar da economia, do dinheiro do povo, que seria enviado para os romanos. Jesus, ao convidá-lo para ser o seu discípulo, estava ensinando que toda a economia que não estiver a serviço da vida não é querida por Deus. E Zaqueu logo compreendeu o sentido do chamado, a afirmar que daria a metade dos seus bens para os pobres, bem como restituiria em quádruplo àqueles que ele defraudara. Desse modo, Zaqueu se declara um ladrão público.

Os fariseus estavam preocupados com o fato de Jesus comer na casa de um pecador. E Jesus, de forma categórica, afirma que salvação tinha entrado naquela casa e que Zaqueu era também filho de Abraão, como eles, os fariseus. A salvação é para todos os povos, todos que acreditam na proposta de Jesus e se convertem, como Zaqueu.

Jesus determina o tempo da salvação na casa, hoje. O uso desse advérbio quer determinar o momento histórico-salvifico escatológico. Em Jesus se cumpre o hoje da salvação. O fato de Zaqueu dirigir-se a Jesus com o título de Senhor, em grego, Kyrie, quer dizer que se trata do Jesus glorificado do tempo pós-pascal. Com a conversão de Zaqueu, a comunidade lucana esperava que outros ricos seguissem o mesmo caminho. Zaqueu é modelo de cristão que se converte e aceita a salvação, firmando um compromisso de fé, independente de sua condição social, e colocando sua economia a serviço da vida. Zaqueu é o rico que ficou pobre por praticar a justiça e professar a fé em Jesus. Deus se alegra com a conversão dos zaqueus. A salvação é universal.  

 

 3. II leitura (2Ts1,11-2,2): Cristãos, vivei a fé que glorifica o nome do Senhor Jesus e mantenham a serenidade de espírito

À cara comunidade de Tessalônica, Paulo demonstra um carinho especial. Ele pede a Deus que a ajude a permanecer na fé e na realização da vocação que ela foi chamada.

Nesta carta, Paulo trata de dois únicos temas: a vivência da fé da comunidade que glorificará o nome do Senhor Jesus e a serenidade que a comunidade deve ter diante de falsas palavras proféticas sobre a vinda eminente do Senhor Jesus Cristo. Em relação ao último ponto, Paulo afirma que não lhes enviou uma suposta carta sobre o proceder da comunidade em relação à vinda de Jesus. Esperando a parusia, alguns já tinham até deixado de trabalhar (3,10).

Os tessalonicenses são chamados a viver a fé já e agora, através de obras que glorifiquem o Senhor Jesus pela graça de Deus. Não se pode ficar esperando pela parusia e nada fazer. A serenidade de espírito é fundamental no cristão. “Não percais a serenidade de espírito e não vos perturbeis” (2,2). Jesus virá, mas quando Deus decidir. É preciso esperar com paciência e fé e não deixar-se ser enganado.

 

III.  PISTAS PARA REFLEXÃO

  1.              I.      Chamar a atenção para a vivência da fé a exemplo de Zaqueu que se converteu, colocando seus bens a serviço da vida. Ser cristão é saber que em Deus tudo podemos. Ele perdoa. Até o mais corrupto dos corruptos pode encontrar a salvação. Demonstrar que o rico, assim como Zaqueu, pode encontrar a salvação, desde que faça opção pela divisão dos bens. 
  2.           II.      Perguntar pelas atitudes de vida que nos permitem deixar a salvação trazida por Jesus entrar em nossa casa. Reforçar a ideia do já e o ainda não do reino.
  3.        III.      Chamar a atenção para o fato que nenhum tipo de fé ou religião pode atrelar as pessoas a promessas que não podem se realizar ou que se realizará conforme a decisão de Deus. Jesus voltará, mas não com palavras infundadas

 

 


[1] Padre franciscano, escritor, mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico, de Roma, especialista em evangelhos apócrifos, professor de exegese bíblica no Instituto Santo Tomás de Aquino – ISTA, em Belo Horizonte e em cursos de Teologia para leigos. Autor de vários artigos e livros, sendo o último: Apócrifos aberrantes, complementares e cristianismos alternativos – Poder e heresias! Petrópolis: Vozes, 2009. Diretor Geral e Pedagógico dos Colégios Santo Antônio e Frei Orlando, ambos em Belo Horizonte.  www.bibliaeapocrifos.com.br  e E.mail. bibliaeapocrifos@bibliaeapocrifos.com.br

 

 

[2] Cf. nosso artigo .Economia e vida na casa da Bíblia, Vida Pastoral, 271, São Paulo: Paulus, 2010, p. 3-10.