Paixão de Madalena em Jo 20,1-18

Paixão de Madalena em Jo 20,1-18

 

Frei Jacir de Freitas Faria, OFM


Na Semana Santa, a nossa fé se revigora ao celebrarmos a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. E a “paixão nossa de cada dia” se revigora em Jesus, na certeza que não morreremos, mas vivemos em Jesus ressuscitado. Tomo a liberdade de reler a ressurreição de Jesus a partir de Madalena, essa mulher que está em voga, após o sucesso editorial da ficção Código Da Vinci. Maria Madalena viveu intensamente a experiência da paixão e ressurreição de Jesus.

Madalena não foi prostituta, mas apóstola da ressurreição e mulher que Jesus tanto amou. Assim nos contam os apócrifos e, sobretudo, o Evangelho Apócrifo de Maria Madalena. Resquícios disso se encontram no Evangelho canônico de João 19, 25; 20,1-18, ao relatar o encontro de Maria Madalena e Jesus, na cruz e no túmulo. Um misto de paixão e ressurreição envolve essa relação de amor, expressa na cruz, túmulo, flores, no adeus...

Aos pés da cruz, Madalena contempla o seu amado morto. A cruz simboliza a morte violenta, o fim de tudo. No entanto, ela quer retê-lo com vida, mas isto não é lhe é possível. Maria Madalena sabe que o seu amado não pode morrer. Por isso, ela não pára na cruz. Sai a caminho, em busca de Jesus.

Ela quer encontrá-lo em outro lugar que não seja a cruz, embora essa seja o lugar daqueles que amam em profundidade. O caminho é o fazer de quem não pára na morte, pois a vida é sempre um caminhar. A pressa Madalena expressa o seu desejo incomensurável de trazer de volta o amado que se foi. É impossível não caminhar, quando se sabe que no final da jornada o amado estará à espera da paixão que nunca morreu.

O túmulo é o nada, o silêncio. É cada um de nós morto com aquele que jaz eternamente. É o vazio existencial mesclado com o desejo de trazer de volta quem amamos. É um amontoado de pedras que guarda o amor de nossas vidas. As flores no túmulo representam a gratidão e a saudade do amado que partiu. As lágrimas se cristalizam nelas, por isso, elas não murcham nunca, pois vivem dentro de quem ficou. A vida é assim! Chega um momento que não é mais possível chorar pelo ente querido.

Ai de nós se as flores não existissem. Mas, ainda sim, resta a saudade, vontade de ver e possuir de novo o amado. A saudade é quase como a morte, e ela só deixa de sê-lo quando se compreende que o amado vive para sempre e sempre viverá, ainda que ausente. No encontro de Maria Madalena com Jesus está o desejo de possui-lo para sempre.

Madalena quer tocá-lo. O amor é assim, provisório e ilimitado. Jesus diz a Maria Madalena: vá e diga aos apóstolos, teus companheiros de caminhada, que eu volto para a casa de meu Pai. Seja você força na caminhada deles. E eles estarão com você no caminho do amor.

Maria Madalena, nesse momento, compreende que Jesus vive dentro dela. Não há mais o que procurar a não ser ela mesma. Isso é ressurreição! Na partida, um adeus: um ficar com Deus, o amado que vive eternamente no eterno mistério da procura. No adeus, a eterna ressurreição, certeza do encontro definitivo da vida em Deus, em Jesus, que não morre mais. Maria Madalena foi dizer aos seus: Jesus vive eternamente. Ele não morreu, pois o amor é eterno.

Pedro se encontra com Maria Madalena e dela recebe o anúncio da ressurreição. “Nesse encontro uma surpresa: a fiel rocha de Pedro se esmigalhou como areia, mas a fé de Maria é verdadeiramente rocha. A parte masculina do amor revelou-se em energia, pois forte é a feminilidade. O sol do amor masculino se põe na morte, o sol do amor feminino levanta-se na ressurreição”.

Publicado no Jornal Estado de Minas, Belo Horizonte, 24/03/2005